O alarme do relógio perdido no escritório de casa soa duas vezes por dia. Quando ouve o som, o repórter tem o impulso de procurá-lo, mas logo o bip cessa e ele deixa o relógio para lá, assim como deixa pra lá todos os dias o porteiro da emissora em que trabalha. Certa noite recebe um telefonema: o velho Pedro morreu com um livro seu no colo . O laçador de cães recolhe os cachorros para o canil. Uma ação violenta e rápida, assim se controla a população de cachorros em uma metrópole como Curitiba. Por algum motivo, o laçador leva o velho pastor para casa. O radialista reescreve as cartas que recebe dos ouvintes para lê-las na rádio. Eles vivem, mas não sabem escrever, pensa ele, na dúvida se narra sentimentos que jamais viverá.
Os personagens que dão vida às quinze histórias de O laçador de cães estão a todo o momento em confronto com o outro. O laçador com os cachorros, o repórter com o entrevistado, o carcereiro com a presa, o radialista com os ouvintes. Com rigor e generosidade, o autor media e envolve o leitor nesse embate.
Em sua estreia em ficção, Luiz Andrioli, selecionado na Primeira temporada de originais da Grua em 2011, manufatura antagonismos que se percebe não serem com o outro. São consigo mesmo. O outro é apenas a forma dos personagens irem se modificando, ainda que por vezes o saldo vivido sirva apenas para pagar a prestação do apartamento. A voz do relógio perdido no escritório, que toca sempre às 10h15, está lá para lembrar. Um incômodo. Ainda que para lembrar do que se esquece todos os dias.
Leia críticas publicadas no Jornal Rascunho, no Estado de Minas Gerais e na Folha de São Paulo
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