Reportagem de Sandro Moser sobre ensaio do escritor e jornalista curitibano que tratou do silêncio do contista mais famoso da cidade.

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Tudo o que Dalton não disse

Em ensaio, o escritor e jornalista Luiz Andrioli escreve sobre a relação entre o contista recluso e a imprensa

  • 13/06/2013, 00:01
  • SANDRO MOSER

“Tanto não é difícil alguém me encontrar que eu esbarro comigo mesmo diariamente nas esquinas de Curitiba”, respondeu o escritor Dalton Trevisan à reportagem da Gazeta do Povo em 1968. Ele havia acabado de vencer o 1.º Concurso Nacional de Contos, primeiro laurel importante da carreira, que depois acumularia inúmeras (e justas) premiações.

Já naquele tempo, o autor, que completa 87 anos amanhã, tinha fama de recluso, arredio e taciturno. Seria, com efeito, uma de suas últimas entrevistas – a última foi em 1972 ao jornalista Mussa José Assis, publicada no jornal O Estado de S.Paulo.

Desde então, o silêncio do contista na imprensa se fundiu à força de sua obra – da qual uma das características mais marcantes é a concisão extrema da linguagem – para formar o mito do “vampiro de Curitiba”.

Esses “silêncios” são a matéria de O Silêncio do Vampiro, que o escritor e jornalista Luiz Andrioli lança amanhã no Sesc Paço da Liberdade.

O ensaio é o resultado da dissertação de mestrado do autor, que há alguns anos se sentiu instigado por duas perguntas: Como um autor que não fala com a imprensa é cada vez mais citado nas páginas dos jornais? Quem é este Dalton que fala através do seu silêncio?

“Em diversas situações, percebemos que os jornalistas tomam pensamentos dos personagens de Dalton para preencher a ausência da fala do autor. Por isso, o tema é o silêncio do vampiro. A reclusão do Dalton cria um efeito ficcional dentro das páginas da imprensa”, responde Andrioli.

Ele conta que mais do que estudar com o rigor acadêmico a obra do escritor curitibano, o livro é um estudo sobre o silêncio “que serve de antídoto para a verborragia, às vezes, fútil e desnecessária dos dias atuais”.

“Interessa-me mais o que ele não fala nas elipses e omissões, seja nas entrevistas ou livros”, diz Andrioli.

Castelo

O livro também mostra como o escritor se apropriou da imagem do vampiro “que vive em um castelo no alto da cidade com janelas e portões fechados e faz do silêncio seu principal disfarce”. A imagem criada nesses muitos anos em que ele não fala à imprensa foi transformada “em signo literário”.

“Negar o retrato ao jornal é uma forma de vaidade, a outra face diabólica do cabotino”, escreve Andrioli em seu livro, citando um texto apócrifo que circulou nos anos 1990.

O Silêncio do Vampiro traz também as quatro grandes entrevistas concedidas por Dalton e uma série de matérias e artigos publicados na imprensa local e nacional. E várias fotos do autor, da época em que Dalton se deixava fotografar.

A capa mostra um original de Poty Lazzarotto, com criação de Fabi Dipp, responsável pelas capas dos livros de Trevisan.

Carta

Na abertura do livro, há o conto “Carta para Um Velho Vampiro”, inspirado em Rilke, que Andrioli enviou a Dalton. Segundo o autor, um interlocutor comum afirmou que o escritor achou o texto “muito bem escrito”. Esse mesmo amigo comum lhe passou a impressão do contista sobre o ensaio que será publicado amanhã: “Ele leu e gostou”. Um “silêncio” que diz muito para seu autor.

Nas entrelinhas

Trechos de entrevistas e textos em que se ouve o silêncio de Dalton Trevistan:

Dalton diz: “Nasci em junho” e fica calado quanto ao dia, nem mesmo quando os amigos lhe indagaram se não estava fazendo aniversário, pois estamos em junho. Dalton Trevisan, de óculos, gravata, tomando “whisky and soda”, responde às vezes com bastante alegria às perguntas, sempre de maneira um pouco satírica, demonstrando simpatia. Quando não fala, permanece sério e meditando.

Entrevista a Jorge Narosniak, no jornal Diário do Paraná, em 27 de junho de 1969.

“O escritor é uma pessoa que não merece nenhuma confiança. Um amigo chega e me conta as maiores dores; eu escuto com atenção, mas estou é recolhendo material para mais um conto. E eu sei disso na hora. Surge então a má consciência. Sei que estou fazendo assim e não desejaria fazer, mas não há outro jeito. O escritor é um ser maldito.”

Depoimento de Dalton Trevisan a Luiz Vilela, publicado no Jornal da Tarde de São Paulo, em 6 de julho de 1968.

“Tenham talento!”

Conselho de Dalton para os “aprendizes da Literatura” publicado na Gazeta do Povo, em 7 de junho de 1968.

“Anoitecia, aquietavam-se os bondes, era sábado, e ela, emocionada, apertou-lhe a mão:

— É uma alegria o encontro de um curitibano.

Nelsinho fingia-se interessado nos quadrinhos da parede — pinheiros ao pôr do sol —, sem interromper o monólogo do coração murcho e oco, a inútil casca transparente de uma cigarra esvanecida.”

Trecho de O Vampiro de Curitiba. Editora Civilização Brasileira.

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?id=1381295&tit=Tudo-o-que-Dalton-nao-disse